POLICENTRALIDADE E ZONEAMENTO DE USOS
*MARIA TEREZA FORTINI ALBANO
O tema da "Policentralidade e Zoneamento de Usos" foi tratado dentro do processo de reformulação do 1º PDDU considerando alguns aspectos fundamentais. Estava bastante claro que a revisão pretendida apresentava escalas temporais distintas, envolvendo diversos caminhos a percorrer. Desta forma, no período destinado pela Administração Municipal para o desenvolvimento dos estudos, colocaram-se como preocupações iniciais as questões de ordem mais geral, que tinham como objetivos buscar a simplificação e a clareza no entendimento da lei, junto com a idéia de flexibilização do instrumento Plano Diretor.
A necessidade de revisão do Plano, quer vista dentro deste tema isolado, quer vista nos demais grupos temáticos propostos pela metodologia dos estudos desenvolvidos em 1995, estava baseada em duas fontes principais. De um lado, todas as críticas provenientes da experiência de implementação do Plano, que demonstravam urgência na sua reconsideração. De outro, a tentativa de incorporar novas variáveis com base nos diversos debates locais, nacionais e internacionais, que há bastante tempo buscavam na discussão dos paradigmas do planejamento e das concepções urbanísticas do século XX; alicerçadas na avaliação da forma de regulação expressa nas legislações que formatam a configuração das cidades e, também, na avaliação do instrumental disponível para o planejamento.
Entre os debates recentes é impossível deixar de referenciar o realizado pelo Projeto Porto Alegre Mais - Cidade Constituinte, que propiciou, desde o ano de 1993, para um número bastante grande de interessados, a realização de inúmeras reflexões, que acabaram por definir como uma prioridade a própria revisão do 1º PDDU. Certamente com este trabalho foram incorporados outros olhares sobre a cidade, que enriqueceram-no no momento das proposições, ampliando-se a consciência coletiva sobre o que é um Plano Diretor.
As críticas originadas dos anos de aplicação da lei podem ser classificadas em pelo menos dois grupos. Num deles se fez uma avaliação do Modelo Espacial de Uso do Solo e constataram-se muitas disparidades entre as prescrições de 1979 e a realidade da cidade em 1995. No outro, se tratou de olhar a questão mais conceitual, pensando na formulação do instrumento legal, isolado do problema espacial.
No primeiro grupo encontramos, por exemplo, o caso das zonas predominantemente industriais. Documentos, que subsidiaram as discussões do Projeto Porto Alegre Mais - Cidade Constituinte, elaborados por representantes da Secretaria do Planejamento Municipal, para o grupo que estudava o Desenvolvimento Econômico de Porto Alegre neste projeto, colocavam que 80,5 % das indústrias da Capital gaúcha possuíam, na ocasião, menos de 400,00 metros quadrados, enquanto que apenas 6,2 % apresentavam porte superior a 1500,00 metros quadrados. Muitas destas indústrias, perfeitamente compatíveis com a atividade residencial, propiciam como hipótese a miscigenação de usos como decorrência natural de sua interferência pouco significativa no ambiente. A atividade industrial, em zonas exclusivas para este fim foi, portanto, um dos fatores de revisão do 1º PDDU.
As áreas definidas por este Plano como Pólos, Corredores de Comércio e Serviços ou ainda como Periferias de Unidades Territoriais de Planejamento, também foram questionadas com relação à proposta de espacialização. A preocupação de classificá-las em diferentes tipos e níveis, tentando associar a uma concepção urbanística de policentralidade de comércio e serviços pontual ou distribuída em eixos, com índices de aproveitamento diferenciados por função; diversidade de atividades definida por padrões de deslocamento ou raios de influência igualmente diferenciados, levou a um excessivo detalhamento do modelo, com difícil capacidade de sustentação e compreensão.
As Unidades Territoriais Residenciais - que se estabeleceram segundo padrões quantitativos de forma a garantir a presença de equipamentos públicos e comunitários compatíveis com a densidade populacional projetada por unidade espacial, associando estes elementos à existência de comércio de abastecimento diário - também não se verificaram, como regra geral, na prática. Assim pode-se constatar, para um grande número de casos, a incoerência entre estes conceitos e os diversos espaços da cidade.
Independente da proposta espacial, o segundo grupo de críticas referia-se ao excessivo detalhamento do Plano em relação ao tema "Atividades", o que levava a uma dificuldade de assimilar suas principais intenções. Naturalmente este aspecto implicou em aumento das rotinas administrativas, principalmente para as Secretarias do Planejamento Municipal, Meio Ambiente e Indústria e Comércio. Ainda com relação a este aspecto, é possível afirmar que uma excessiva preocupação com o controle da diversidade de atividades nas zonas de uso - como por exemplo nas áreas comerciais - e o excessivo número de "grupamentos de atividade", passaram a ser o principal problema. Todos estes conflitos, embora permanentemente revisados pelo 1º PDDU, ao longo dos anos, careciam de uma formalização mais objetiva e clara.
Se a crítica resultante dos anos de implementação do 1º PDDU mostrou ser impossível prever todas as situações que podem ocorrer na dinâmica de uma cidade, desenhando seu futuro de acordo com padrões pré-determinados, então o que seria o trabalho de reformulação de um Plano Diretor ? Atualizá-lo hoje, para amanhã, dentro do mesmo tipo de procedimento, repetir a mesma operação? Ou tentar incorporar novas experiências ao processo tornando-o mais rico, mesmo que mais contraditório ?
Na reflexão desenvolvida pelo grupo da Policentralidade e Zoneamento de Usos, considerou-se fundamental entender o processo na sua globalidade. O momento apresentava suas próprias peculiaridades políticas, institucionais, econômicas e sociais e novas abordagens estavam aí para mostrar possíveis caminhos a percorrer. O 1º PDDU tinha conseguido inúmeros avanços e o novo momento exigia novas experimentações.
Assim como flexibilidade, clareza e simplificação passaram a ser palavras chaves para o novo instrumento legal, o Modelo Espacial, na sua relação específica com a temática dos usos, deveria refletir também estas palavras associando-as com os conceitos de cidade miscigenada, policêntrica e descentralizada, numa ótica um pouco diferenciada da adotada pelo 1º PDDU, que, embora contemplando estes princípios, tratou-os dentro de outra formulação.
Na proposta apresentada, buscar uma cidade mais miscigenada significa admitir a convivência da atividade residencial com o maior número de atividades não residenciais, mesmo em zonas com predominância residencial. Nestas se propicia que a vida cotidiana incorpore, também, entre outras, a atividade econômica desvinculada da habitação, desde que considerada compatível com a atividade habitacional. Assim Pólos de Comércio e Serviços de Nível 5, que de acordo com a concepção do 1º PDDU, são destinados às necessidades diárias da população, com localizações espaciais projetadas, passam a ser totalmente desnecessários, uma vez que no conceito de cidade miscigenada estas atividades podem estar em qualquer lugar.
Avançando em relação ao tradicional zoneamento, que divide a cidade por usos especializados, se introduz a perspectiva de tratar da distribuição espacial das atividades, baseando-a em critérios que avaliem incômodo e impacto. Os estudos destes aspectos, embora já realizados embrionariamente na Secretaria do Planejamento Municipal, em conjunto com outros organismos, ainda dependem de detalhamentos e da montagem de estruturas especiais. Acredita-se que com este tipo de experiência poder-se-á passar gradativamente de uma lei extremamente normativa, para um outro tipo de ordenamento, mais baseado em critérios e no monitoramento do crescimento urbano.
Da mesma forma, na proposta apresentada, buscar uma cidade policêntrica e descentralizada significa estimular múltiplas centralidades que possam representar novos focos de interesse no espaço urbano. A "centralidade" aqui é vista no seu sentido mais amplo incluindo, portanto, as noções de densificação, concentração, fluxos, animação e diversidade de atividades, sem estímulos diferenciados nos índices de aproveitamento para atividades que representem numa mesma área diferentes funções.
A policentralidade prevista, principalmente através de Corredores de Centralidade, reconhece as áreas hoje "mais centrais" da cidade de acordo com estudo do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e permite, dentro de um espaço geográfico que não é pontual, a opção de desenvolver projetos especiais, de acordo com as estratégias que acompanham o produto final do trabalho de reformulação do 1º PDDU.
Como conclusão se pode colocar que o resultado enviado à Câmara Municipal em relação à questão específica da "Policentralidade e Zoneamento de Usos" representa um primeiro produto, que traz consigo toda uma simplificação e conceituação extremamente necessárias para os futuros trabalhos relacionados ao Plano Diretor, abrangendo definições para todo o território municipal.
*ARQUITETA/ COORDENADORA DO GRUPO DE POLICENTRALIDADE E ZONEAMENTO DE USOS DO 2º PDDUA.