ESTUDOS CONFIGURACIONAIS URBANOS,
POLICENTRALIDADE E USO DO SOLO

* Rômulo Krafta

Este estudo foi realizado por equipe do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional - PROPUR - da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como produto do convênio firmado entre esta Universidade e a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, através de sua Secretaria do Planejamento Municipal. Os estudos visaram produzir subsídios para o trabalho de reavaliação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano.

Os subsídios produzidos foram consubstanciados em dois objetivos principais: primeiro, a revisão do Modelo Espacial do PDDU, do ponto de vista da sua prescrição de estrutura de polarização urbana e, segundo, avaliar, frente a isto, os Dispositivos de Controle de Uso do Solo. O trabalho trata, então, de prover evidências da real configuração espacial urbana apresentada pela cidade atualmente, e compará-la com a prescrição do Plano.

Por avaliação dos Dispositivos de Controle do Uso do Solo entende-se a discussão sobre as possibilidades de simplificação do atual arcabouço legislativo específico, o relaxamento de determinadas condições, as relações entre o processo de estruturação da cidade e seu sistema normativo.

O conhecimento empírico da cidade nutre a noção intuitiva de que as atividades não residenciais urbanas encontram-se combinadas com as residenciais em grande medida, caracterizando, desta forma, uma situação de uso misto generalizado. Um espalhamento desigual de atividades econômicas, de diferentes tipos e portes tenderia a "borrar" a definição de "centros". Por esse caminho, o tradicional método de mapear as atividades, buscando determinar concentrações de diferentes tamanhos, tal como foi feito há 20 anos por ocasião da formulação do atual Plano, sofreria sérias restrições de precisão. Métodos estatísticos, em que atividades econômicas são ponderadas segundo seu porte e/ou importância, superariam a restrição quantitativa do método anterior, mas ainda assim não descreveriam as relações estruturais entre atividades oferecidas, localizações urbanas precisas e demandas.

O método adotado busca exatamente ser uma descrição estrutural do estado configuracional da centralidade urbana de Porto Alegre. Para que esta descrição seja possível é necessário conceituar "centralidade", não apenas como uma ocorrência de localização geográfica (distribuição espacial de atividades), mas fundamentalmente como um sistema de relações entre atividades, usuários e localizações.

Desta forma, a vinculação declarada entre quantidades de usuários, quantidades, qualidades e atratividades de atividades e localizações relativas concorrem para a formação do conceito de centralidade. Além disto, a descrição precisa ser sistêmica, ou seja, vincular as variáveis acima declaradas uma às outras rigorosamente, de forma que a qualquer mudança em uma delas, ocorra mudanças correspondentes em todas as outras.

A noção mais básica e fundamental, presidindo a definição de "centralidade urbana", é a de que duas unidades mínimas quaisquer, de forma edificada , contendo atividades identificáveis, podem ser alcançáveis, de uma a outra, mediante o uso de alguns trechos de espaço público. A centralidade final pode ser obtida pelo cômputo das centralidades devidas a cada par de Unidades de Forma Edificada (UFEs), atribuídas em frações a todos os segmentos de espaço público do sistema.

Desta forma a medida de centralidade é atribuída ao espaço público. Aqueles trechos de espaço público mais utilizados para promover a alcançabilidade entre os diversos pares de UFEs do sistema serão os mais centrais. Por esse método se obteve uma descrição apurada da situação da centralidade urbana de Porto Alegre, para o momento atual, considerando atualizado o Cadastro Imobiliário Urbano. As virtudes dessa descrição são as seguintes:

- é baseada nas variáveis sistema viário, estoques e atividades, precisamente as variáveis com que se atém o PDDU. Isso significa ter uma descrição da cidade nos termos definidos pelo Plano;

- é sistêmica, o que vale dizer, traz as variáveis acima citadas estreitamente vinculadas entre si através de relações estáveis e conhecidas. Isto permite descortinar alterações no sistema provocadas pela mudança de qualquer uma das três variáveis incluídas;

- é quantitativa e grandemente desagregada, o que significa uma maior precisão na medida, decorrente da consideração da grandeza de cada elemento incluído no sistema, e a possibilidade de, por um lado, medir impactos relativos com mais poder discriminatório e, por outro, investigar um largo espectro de relações paralelas entre a medida obtida e manifestações comportamentais urbanas como fluxo, nível de atividade, valor de localização etc.

O 1º Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre - 1º PDDU - propõe uma estrutura teórica de polarização baseada em pólos e corredores, sendo aqueles classificados segundo uma escala de 05 níveis, segundo sua especialização. A proposta, elaborada na década de 70 certamente combinou partes da realidade urbana existente na época, disponível segundo um certo grau de conhecimento empírico, com projeções de desenvolvimento urbano esperados e ainda proposições projetuais advindas da convicção e valores dos autores do Plano. Assim, parte da chamada estrutura de polarização era preexistente e parte era virtual. Ainda, a parte existente tanto poderia estar classificada segundo a sua real importância, na época, como ter recebido uma classificação também virtual, ou seja, esperada e desejada.

Por esta razão é interessante o exercício de comparação entre o modelo do Plano e o resultado da descrição da policentralidade aqui contida. Do conjunto de 34 pólos comparados, a maioria apresenta variações em relação à medida de centralidade atual. Na verdade, perto de 20% dos pólos estão hoje na posição em que o 1º PDDU queria que estivessem (coincidência de posição na escala de bandas, nas situações inferidas do PDDU e medidas pela centralidade atual), 37% trocou de banda, para cima ou para baixo, e os restantes 43% sofreram variações mais dramáticas.

O 1º PDDU confere ao pólo Azenha a maior importância dentre todos, ressalvado apenas o centro histórico urbano; numa ordem imediatamente inferior, os pólos Assis Brasil e Moinhos de Vento, e na seqüência os pólos Petrópolis, Voluntários da Pátria e Osvaldo Aranha. A essa situação proposta, a realidade urbana refletida na medida de centralidade contrapõe uma ordem que envolve os pólos Moinhos e Osvaldo como os mais importantes, imediatamente abaixo do Centro Histórico, seguidos dos pólos Farrapos, Cristóvão, João Pessoa/Azenha, Menino Deus e Voluntários. As distâncias entre a realidade hoje e proposta de 20 anos atrás, não chegam a ser muito grandes, entretanto a classificação individual aprofunda diferenças: o pólo Azenha, desejado como mais importante após o Centro Histórico é hoje apenas o quinto; o pólo Assis Brasil, proposto como o imediatamente seguinte, é apenas o 11º. Enquanto isso, os polos Moinhos e Osvaldo despontam como reais ocupantes daquelas posições.

Na extremidade oposta, onde estão os pólos menos importantes, há a considerar algumas prescrições do 1º PDDU que (ainda) não se verificaram. São os casos de três deles no extremo Leste da cidade, na extremidade da Avenida Baltazar de Oliveira Garcia, na extremidade da Avenida Protásio Alves e, finalmente, um numa latitude intermediária a estas. O primeiro está gravado como um pólo de 2º nível, provavelmente pensado como uma espécie de filtro de acesso às populações de Alvorada.

Neste caso, a medição de centralidade acusou a existência de alguma polarização na confluência da Baltazar com a Avenida João Ferreira Jardim, mas ainda em grau insignificante. O espaço mais bem situado dessa área é um trecho da Avenida Baltazar de Oliveira Garcia, cuja posição na lista de centralidade é 2.706º lugar; isso significa estar nos últimos dois ou 3% de toda a cidade. É certo que a cidade de Alvorada não foi considerada na medição e que esse desenvolvimento urbano efetivamente pesa sobre o sistema urbano em questão.

O estudo sugere uma revisão de limites de todos os pólos, com base nas evidências produzidas por este estudo. Alguns poucos pólos propostos poderão eventualmente ser reduzidos, como talvez seja o caso do situado no extremo da Avenida Baltazar de Oliveira Garcia. Dois merecem atenção especial pelo papel que desempenham ou que são requeridos a desempenhar. Em primeiro lugar, restou claro do estudo de policentralidade, que o pólo Farrapos desempenha papel estratégico na cidade, tanto pela sua posição geográfica, quanto pela sua configuração espacial. Localizado num ponto de grande acessibilidade municipal e metropolitana, precisamente no vértice da grande área polarizadora em forma de "L", alia a isto, uma grande capacidade de crescer.

Paralelamente ao trabalho levado a cabo pelo grupo interno da SPM, que reduziu e simplificou os quadros de controle de atividades do Plano, a equipe entende que três aspectos localizados do sistema normativo poderiam ser tocados, visando o mesmo objetivo. São eles:

- reduzir e mesmo eliminar as diferenciações qualitativas hoje estabelecidas quanto ao licenciamento de atividades entre os diferentes pólos e corredores, permitindo que a dinâmica da cidade realize a seleção e especialização;

- reduzir as diferenças entre regimes de ocupação do solo entre os diversos pólos e corredores, visando contribuir para a simplificação geral do quadro de índices e taxas incidentes sobre o território urbano;

- eliminar as denominações diferenciadas - pólos, pólos lineares, corredores - em favor de um só termo que se refira a toda área de polarização.

Considerando a hipótese de introduzir, ao lado de pequenas correções e ajustes localizados, alguns elementos que conduzam a uma maior flexibilidade do sistema de controle da ocupação e uso do solo, pode-se pensar em desenvolver, numa etapa subsequente do trabalho, alguns destes elementos. As normas de controle do uso do solo parecem as mais adequadas para iniciar o procedimento. Por esse caminho o Sistema de Planejamento poderia incluir uma primeira ferramenta "interativa", ou seja, não dependente de índices quantitativos fixos, que permite formular políticas de longo prazo, vinculadas ao problema da descentralização e formação de centros locais, manejáveis. Para isto o método de determinação de centralidade utilizado neste estudo pode ser de grande valia.

Outros instrumentos de medição de impacto podem ser pensados, com vistas a uma rápida e fácil incorporação ao Plano. Questões ligadas à infra-estrutura urbana são um exemplo. As diversas redes de serviço urbanos existentes como água, esgoto, coleta de lixo, energia, telefonia, drenagem etc, podem ser pensadas como limites técnicos à ocupação e uso do solo.

* ARQUITETO/ COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL/ CONSULTOR DO 2º PDDUA.

 

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