INSTRUMENTOS DE INTERVENÇÃO PROPOSITIVA
NO PLANEJAMENTO DE PORTO ALEGRE

*GILBERTO CABRAL

**MARIA SOARES DE ALMEIDA

O objetivo do presente trabalho é contribuir com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e sua Secretaria do Planejamento Municipal na avaliação do 1º PDDU. Especificamente trata-se da avaliação da questão do Patrimônio Ambiental, Natural e Cultural do Município e de seu principal instrumento de implementação: as Áreas Funcionais.

As avaliações e proposições aqui contidas são fruto não só da contribuição desta consultoria, mas decorrem dos vários debates, trocas de idéias e proposições coletivas que se evidenciaram ao longo de vários encontros e reuniões do grupo de trabalho, bem como palestras dos especialistas externos, promovidos pela equipe técnica e pelos dirigentes da SPM, no decorrer do segundo semestre de 1995. Entende-se que este é um trabalho que inicia um processo de aperfeiçoamento do instrumental de planejamento para as Áreas Especiais de Porto Alegre e que, para sua efetiva consolidação, serão necessárias etapas consecutivas que permitam a sua aplicação em situações concretas, empiricamente dadas, para ajustes e detalhamentos que se façam necessários.

A introdução no 1º PDDU do conceito de Área Funcional constituiu-se em categoria inovadora para a época, pois permitiu e reconheceu a necessidade de ações diretas e propositivas em determinados setores urbanos especiais. Propunha um tratamento adequado à proteção de seus valores específicos, com impactos positivos sobre o conjunto urbano e a coletividade. Entretanto, pela falta de detalhamento posterior, os seus efetivos efeitos operacionais não foram atingidos. Aliado a esta dificuldade esteve, evidentemente, a não implementação de um Sistema de Planejamento Urbano na estrutura administrativa do Poder Municipal.

Conforme previa o artigo 39, as Áreas Funcionais seriam instituídas por decreto do Executivo Municipal, mediante proposta do "Sistema Municipal de Planejamento e Coordenação do Desenvolvimento Urbano". A ausência de uma estrutura administrativa, voltada ao detalhamento do 1º PDDU, impediu este avanço.

Entende-se mais explicitamente que os seguintes pontos se agregam às vantagens de adoção de uma categoria de planejamento, como Áreas Funcionais (AFs), no exercício da gestão de planejamento urbano:

– FLEXIBILIZAÇÃO das ações de planejamento, permitindo a elaboração de soluções específicas de trato morfológico e funcional, adequadas a cada caso, onde ocorram no espaço urbano problemas ou recursos determinados, impossíveis de serem corretamente administrados por regime urbanístico genericamente proposto;

– INICIATIVAS PROPOSITIVAS a serem incentivadas e elaboradas pela Administração Municipal ou por esta, associada a agentes privados, integrando as "AFs" a efetivas políticas de desenvolvimento urbano;

– AÇÕES ARTICULADAS em nível morfológico-funcional, infra-estrutura e ambiental, contemplando as singularidades e características específicas de conjuntos urbanos especiais, ensejando ações estruturadoras do espaço urbano em seu desenvolvimento;

– PROJETOS URBANÍSTICOS ESPECIAIS que devem ser viabilizados e baseados em diagnósticos específicos que considerem as singularidades de cada área, podendo-se ensaiar e discutir com maior grau de precisão as intervenções diretas necessárias às transformações e desenvolvimento da cidade, maximizando benefícios da preservação de espaços e conjuntos urbanos especiais. Tais projetos propiciam a articulação, em um mesmo espaço e com um programa definido, das intervenções públicas e privadas, da coordenação de ações setoriais e da intervenção pública, objetivando à preservação dos recursos naturais e culturais.

Entretanto, ainda que o 1º PDDU estabelecesse a necessidade de elaboração de planos e programas para a institucionalização das Áreas Funcionais – conforme determinam os artigos 40 (inciso III) e 41 – não especificou seu conteúdo mínimo e grau de detalhamento. Isto dificultou a exigência quanto à elaboração dos mesmos, dentro das características que permitissem à determinação de regimes urbanísticos especiais e levassem em conta a preservação do patrimônio ambiental neles contido. Tendo em vista esta lacuna, o trabalho realizado, por esta equipe, pretendeu traçar caminhos e indicar procedimentos para sua superação.

Procedeu-se a identificação de alterações necessárias tanto nos procedimentos adotados pelo 1º PDDU, como no que diz respeito ao instrumento "Áreas Funcionais". Arrolaram-se os seguintes pontos gerais:

– a denominação de ÁREAS FUNCIONAIS para áreas que contenham características especiais, como o acima descrito, não traduz o seu conteúdo e remete a atributos de funções específicas. Neste caso propõe-se a sua denominação como ÁREAS ESPECIAIS de forma a distingui-las como locais que receberão tratamento diferenciado do tecido urbano corrente;

– a redefinição das AFs buscando simplificar sua nomenclatura. Sugeriu-se a substituição da denominação de ÁREAS FUNCIONAIS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE por ÁREAS ESPECIAIS DE INTERESSE NATURAL e a transferência dos incisos V e VI do artigo 66, definindo-as como ÁREAS ESPECIAIS DE INTERESSE NATURAL;

– a denominação de ÁREAS ESPECIAIS MACRO ESTRUTURAIS para ÁREAS ESPECIAIS descritas no Anexo I do PDDU e a eleição de novas, no sentido de incorporação de espaços urbanos que, por suas características, merecem receber um tratamento específico. Como exemplos citam-se, preliminarmente, as áreas litorâneas (margens do Guaíba e novas áreas ao longo da 1ª Avenida Perimetral), onde observam-se pequenas descontinuidades. Estariam aí propostas como extensões da Área Central, prolongando seus limites ao Sul e ao Norte ao longo das margens do Guaíba. Estas seriam denominadas de ÁREA MARGINAL NORTE (do complexo viário da Rua Conceição à Ponte do Guaíba, incluindo a área da Rede Ferroviária Federal e os quarteirões entre a Rua Voluntários da Pátria e a Avenida Farrapos, no trecho que compreende o início desta até a Rua Câncio Gomes) e de ÁREA MARGINAL SUL (da área da Praia de Belas até o Estaleiro Só);

– sugeriu-se a análise de todas as AFs contidas no anexo I do PDDU, de forma a checar seus limites, denominação, atual configuração e estruturação interna, podendo ser identificadas a perda de suas condições originais decorrentes dos processos de transformação e ocupação no período histórico considerado da implantação do PDDU até hoje;

– a adoção do conceito de LOCAIS ou LUGARES para permitir a institucionalização de "conjuntos e espaços urbanos de valor natural, cultural ou paisagístico" de menor dimensão que uma AF. Estes deverão ser selecionados, dentro dos critérios técnicos, após a elaboração de um "inventário" que identifique os bens de valor cultural e natural do município;

– a elaboração do INVENTÁRIO DO PATRIMÔNIO NATURAL E CULTURAL do Município baseado em estudos específicos que estabeleçam critérios para a identificação dos bens naturais e culturais do Município.

Com relação às ÁREAS ESPECIAIS e LUGARES sugeriu-se, também, a adoção, além dos dispositivos de controle e normas gerais de ocupação do território, contidas no Plano Diretor, outros instrumentos de planejamento. São eles: a elaboração de ESTUDO PRELIMINAR URBANÍSTICO, aplicado para o caso de LUGARES DE INTERESSE CULTURAL, e de PROJETOS URBANÍSTICOS ESPECÍFICOS.

O primeiro deverá ser desenvolvido pela Prefeitura Municipal de forma a definir para cada "lugar" as diretrizes de uso e ocupação do solo e da morfologia de seus espaços, valorizando e promovendo a preservação do patrimônio ambiental aí localizado. Deverão ser consideradas as diretrizes gerais de uso e ocupação do solo urbano da cidade, que devem estipular, para cada área selecionada, todas as características volumétricas, os usos e sua distribuição e demais especificações arquitetônicas, paisagísticas ou urbanísticas necessárias à digna valorização dos bens culturais e seus entornos, servindo como guia obrigatório dos projetos a serem aprovados pelo Poder Público Municipal. Deverão, também, servir de base para o estabelecimento de regimes específicos a cada área e orientarão a aprovação de projetos pelo Município.

Os PROJETOS URBANÍSTICOS ESPECÍFICOS (ou de Desenho Urbano) deverão ser elaborados e aplicados para as áreas cuja complexidade requeiram especificações mais abrangentes. Estes deverão atender uma diretriz geral que estabeleça prioridades privilegiando, inicialmente, aquelas que apresentem maior importância pela qualidade do patrimônio ambiental e como conjuntos estruturadores da malha urbana da cidade. Neste sentido já foi experimentado, pela Administração Municipal de Porto Alegre, um processo similar, quando da contratação e elaboração de projeto de preservação da Vila do IAPI.

Estes Projetos Urbanísticos permitem ensaiar e discutir, com maior grau de precisão, as intervenções diretas necessárias às transformações e desenvolvimento da cidade e suas conseqüências para o conjunto urbano. Poderão ser desenvolvidos tanto por um grupo interno de técnicos da administração municipal, especificamente estruturados para tal fim, como por equipes externas, mediante modalidades de contratação de serviços

Em resumo, a seqüência de ações necessárias para atingir aos objetivos acima descritos são:

– o Inventário do Patrimônio Ambiental do Município;

– o estabelecimento de prioridades e a definição prévia e rigorosa de cada área, identificando os objetivos da intervenção, confrontações, qualificação do patrimônio ambiental existente etc. Estes deverão ser elaborados por equipe técnica da Prefeitura Municipal;

– elaboração do PROJETO URBANÍSTICO ESPECÍFICO definindo as estruturas morfológicas, funcionais e infra-estruturais, assim como todos os componentes necessários à implementação das ações de preservação das Áreas Especiais selecionadas. Este poderá ser elaborado por equipe interna ou por equipe técnica especializada, contratada para tal fim. Neste caso o projeto urbanístico será precedido por TERMO DE REFERÊNCIA.

Outros INSTRUMENTOS PROJETUAIS são recomendados, tais como a elaboração de Diretrizes Urbanísticas; de Estudos Preliminares Urbanísticos; de um Plano Geral de Diretrizes e Planos de Manejo. Estes instrumentos estarão detalhados por tipo de Área Especial.

Por fim, cabe destacar que a oportunidade de elaboração dos trabalhos pela equipe propiciou contatos sistemáticos entre técnicos da PMPA, detentores de conhecimentos práticos da realidade do planejamento municipal, com os consultores preocupados em formalizar propostas embasadas nos conhecimentos teóricos e em práticas e experiências documentadas de planejamento urbano aplicadas a outras realidades. Deste modo, procurou-se a formulação de novos métodos e instrumentos, que não só refletissem novas tendências de projeto urbanístico mas, especificamente, se adaptassem à realidade atual.

*ARQUITETO/ PROFESSOR DA FACULDADE DE ARQUITETURA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL/ CONSULTOR DO 2º PDDUA.

** ARQUITETA/ PROFESSORA DA FACULDADE DE ARQUITETURA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL/ CONSULTORA DO 2º PDDUA

 

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