HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL
NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO URBANO
* JACQUELINE MENEGASSI
Introduzir aspectos relativos à política habitacional de caráter social no
2º PDDUA de Porto Alegre reporta-se, especialmente, à nova ordem constitucional que transfere ao Poder Público Municipal a competência em legislar sobre o território urbano, para o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade. Vincula, pois, o exercício do direito da propriedade privada ao cumprimento da função social, esta estabelecida pelo atendimento às exigências de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor.
No âmbito local, a Lei Orgânica do Município dispõe sobre a política e reforma urbana, instituindo instrumentos capazes de direcionar a propriedade privada para o cumprimento da função social. Estabelece como objetivo do Plano Diretor "a definição de diretrizes que visem à redução da segregação das funções urbanas e o acesso da população ao solo, à habitação e aos serviços públicos". Define como meta da política habitacional "a superação da falta de moradia para os cidadãos desprovidos de poder aquisitivo suficiente para obtê-la no mercado". (L.O.M título V)
Avançar, pois, na promoção do direito universal à habitação e minimizar a segregação das funções urbanas, significa capacitar o Poder Público para sua ação reguladora, indutora e coercitiva frente às forças que constróem a cidade. A melhor adequação da normativa legal e a implementação dos instrumentos de conteúdo redistributivo, vêm viabilizar nova forma de gestão do solo, na perspectiva de reversão da lógica excludente da produção e consumo do habitat.
Desenvolvimento urbano com exclusão territorial é ainda a realidade das nossas cidades. A exclusão econômica e social de significativa parcela da população trabalhadora, frente ao processo de produção do espaço urbano fortemente regulado pela lógica do mercado, têm impossibilitado o acesso de grandes contingentes populacionais à produção formal da cidade. Em Porto Alegre os números da irregularidade habitacional atingem 31% da população.
As políticas habitacionais, até então implementadas, que acreditavam que a construção em grande escala, racionalizada, industrializada, promoveria o barateamento da edificação e, conseqüentemente, maiores oportunidades de acesso à moradia, nem mesmo durante os períodos de maior desenvolvimento conseguiram minimizar o problema da exclusão territorial e do déficit habitacional das populações de menor renda. Este não atendimento teve como resultado soluções informais, adotadas por parte destas populações, à margem de programas oficiais e da legalidade institucional, gerando o aumento da favelização e a incorporação de glebas nas periferias, parceladas clandestinamente como alternativa de loteamentos populares, vendidas ou ocupadas sem infra-estrutura e, geralmente, localizadas em zonas de legislação restritiva à ocupação e de pouco interesse do mercado. Em Porto Alegre a cidade irregular cresceu, na última década, a uma taxa duas vezes maior do que a taxa de crescimento da cidade formal.
Regras territoriais ideais e iguais para toda a cidade, embora objetivando garantir iguais padrões de moradia para toda a população, acabam por excluir da legalidade jurídica e urbanística as parcelas de menor renda. É importante constatar que os padrões de qualidade do habitat, considerados os mínimos aceitáveis pela legislação vigente, não correspondem aos padrões de qualidade possível, determinados pela carência de recursos privados de boa parte da população e à insuficiência de recursos públicos alocados no habitat urbano.
O 1º PDDU, em 1979, já reconhecia, em parte, esta realidade, quando criou as Áreas Funcionais de Recuperação Urbana (AFRUs) e gravou alguns assentamentos com o objetivo de regularização com padrões diferenciados. A norma não garantiu sua implementação. Modelo e regras não evitaram a ocupação extensiva, irregular e desordenada em direção à periferia e às áreas de preservação. A política urbana implementada manteve vazios especulativos, permitindo a expansão da malha de forma antieconômica e predatória. A degradação do ambiente natural foi o ônus deste processo. O déficit habitacional e a falta de infra-estrutura em saneamento, nas áreas ocupadas irregularmente, vêm sendo apontados como os principais problemas na preservação e qualidade do meio ambiente.
O novo Plano Diretor atenta para este processo de produção excludente do espaço, especialmente quanto à produção informal da habitação, ocasionada pela insuficiência da produção social regular e quanto à renda fundiária, ou seja, a incorporação, pelo privado, da valorização decorrente de investimentos públicos e da normativa legal. O novo Plano Diretor reconhece que a cidade não se produz só por normas, e vem articular as dimensões econômica e social à dimensão territorial para a gestão do solo. Modelo Espacial, estratégias e regulação têm como palavras-chave a sustentabilidade, a articulação público/privado e a democratização.
As diretrizes estabelecidas e os instrumentos que o Plano Diretor introduz para a política habitacional vêm no sentido do reconhecimento e incorporação da produção informal; da democratização e potencialização da produção social privada e pública e da redistribuição da renda urbana e da terra. Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), Solo Criado e o Fundo Municipal de Desenvolvimento (FMD), a Lei da Função Social que incide nos vazios das Áreas Urbanas de Ocupação Prioritária (AUOPs), capacitam o Município para ações e programas potencializadores do acesso à terra urbanizada.
Integrar os assentamentos existentes à cidade legal, de forma a legitimar a produção econômica e social, já efetivada pelo privado, só é possível pelo reconhecimento de realidades urbanas diferenciadas, que exigem tratamento legal e urbanístico específico. Da mesma forma, a produção da habitação popular, a custos mais compatíveis, viabiliza-se com a flexibilização dos padrões para um melhor aproveitamento da gleba, com a localização e reserva de áreas mais adequadas ao uso, e através das parcerias entre os setores público e privado. A produção amplia-se com a incorporação e legalização destes potenciais econômicos e sociais que já constróem a cidade.
As Áreas Especiais de Interesse Social; o urbanizador social; o zoneamento de áreas potenciais para a urbanização social e as operações concertadas são fortes instrumentos neste sentido. A aplicação de instrumentos redistributivos, Solo Criado, parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo, deverão viabilizar os recursos e a terra para a implementação de uma política habitacional municipal.
Por fim, diretrizes e instrumentos do desenvolvimento urbano, que permitem melhor articular as políticas habitacionais, fundiária e ambiental com o objetivo de garantir o uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado do território, estão contemplados no novo Plano Diretor. Contudo, a implementação de programas para que tal objetivo seja atingido dependerá, fundamentalmente, de um processo mais democrático da gestão do solo. O Sistema de Gestão do Planejamento do 2º PDDUA institui as instâncias para uma participação mais efetiva da sociedade na construção de uma cidade para todo o cidadão.
*ARQUITETA/ ASSESSORA TÉCNICA DA SUPERVISÃO DE PLANEJAMENTO URBANO DA SPM/ COORDENADORA DO GRUPO DE SUBSÍDIOS À POLÍTICA HABITACIONAL DO 2º PDDUA.