MOBILIDADE URBANA
*BRENO RIBEIRO
** IDA BIANCHI
As questões vinculadas à necessidade de deslocamentos dentro do perímetro dos grandes centros urbanos, para um crescente número de pessoas e cargas, certamente constitui-se, neste final de século, em extraordinário desafio ao planejamento urbano e às políticas de investimentos públicos.
A estrutura urbana proposta no 2º Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (2º PDDUA), a partir do modelo "atomizado" de Pólos e Corredores de Comércio e Serviços em vigência, desenvolve um modelo que materializa-se em Corredores de Centralidade, de Urbanidade, de Desenvolvimento e de Produção. Para tanto é necessário submeter o atual modelo radiocêntrico da Malha Viária Básica a um modelo "tramado linear", com vistas à desejada equalização da oferta de centralidades, da miscigenação das atividades, da diversidade e legibilidade do tecido urbano, em especial da rede de espaços públicos e da integração metropolitana. Desta forma, a malha viária instituída pelo 1º PDDU e suas posteriores alterações que deram suporte à descentralização ocorrida nos últimos 17 anos com os devidos ajustes passarão a estruturar o novo Modelo Espacial, que redesenha o uso e a ocupação do solo do município, passando a ser parte integrante do 2º PDDUA .
Para implementar os conceitos e as diretrizes propostas - através das diferentes estratégias de promoção do desenvolvimento urbano, em especial a de Estruturação Urbana - faz-se necessário investimentos em implantação, retificação, alargamento e ou reformulação da função de vias, que desenvolvem-se no sentido Norte/Sul, de tal forma a constituírem-se em eixos arteriais. Esta estratégia preconiza, ainda, a "descentralização tramada linear", através de Corredores de Centralidade no sentido Leste/Oeste, com a intenção de aproximar a oferta de diversidade das zonas da cidade consolidadas a leste da 3ª Avenida Perimetral e ao norte da Avenida Bento Gonçalves. Os eixos arteriais que constituem estes Corredores permitirão ligações intra-urbanas, com média ou alta fluidez de tráfego e apropriadas para a operação do Sistema de Transporte Coletivo de Modelo Operacional Transversal.
Entre as alterações propostas na presente reformulação do Plano Diretor destaca-se a "reclassificação das vias" que, ao permitir maior amplitude de critérios, em especial o da funcionalidade, possibilita melhor identificação do papel desempenhado por cada uma delas na estruturação urbana, considerando os aspectos topográficos; de infra-estrutura, do uso e ocupação do solo lindeiro e do tráfego veicular aplicados às vias existentes e projetadas. A nova classificação em vias de Transição, Arteriais, Coletoras, Locais, Exclusivas para Pedestres, Ciclovias e Secundárias também permite ações de planejamento urbano e de transporte, bem como a definição da Malha Viária Básica e da Malha de Transporte Coletivo.
Permanece, de outra parte, redefinido e ampliado, para toda a cidade, o conceito de "Setor Urbano de Mobilidade" como áreas com restrição ao tráfego veicular de passagem ou de travessia, em favor da circulação dos pedestres, uso da bicicleta e do tráfego de transporte individual de acesso local, com vistas a qualificação ambiental.
Entre as estratégias de implementação de políticas de desenvolvimento propostas no projeto de lei, ou seja, entre procedimentos dentro de um processo administrativo com horizonte de duas ou três décadas, destaca-se a da Mobilidade Urbana. Esta tem como objetivo geral a qualificação dos deslocamentos através da redução das distâncias a percorrer; dos tempos de viagens; dos custos operacionais; das necessidades de deslocamentos; do consumo energético e do impacto ambiental. Além disto, ao guardar correspondência com o novo Modelo Espacial deverá dar suporte, através da malha viária e dos sistemas de transporte, às demais estratégias de implementação de políticas de desenvolvimento.
Em síntese, a Estratégia de Mobilidade Urbana contempla como prioritária a elaboração do Plano Geral de Transportes; a complementação da Malha Viária Básica e a instalação de equipamentos de tráfego com tecnologias adequadas à qualificação da segurança; à priorização do transporte coletivo, do pedestre e do uso da bicicleta e à estratificação do tráfego de cargas, além da classificação funcional e hierarquização da malha viária, bem como a implantação de centros de integração e transbordo de passageiros e de transferência de cargas. Isto com vistas à racionalização destes sistemas de transporte e o resguardo de setores da cidade quanto à mobilidade local, reconquistando, através de políticas de estímulo à implantação de garagens e estacionamentos, os logradouros públicos como espaços abertos.
Para tanto, foram propostas a elaboração e implementação dos programas de Transporte Coletivo; de Centros de Transbordo e de Transferência; Viário; de Garagens e Estacionamentos e o Programa de Trânsito.
O 1º PDDU instituiu inúmeros dispositivos com vistas ao controle da edificação de garagens, seja do ponto de vista restritivo ou de incentivo. Entretanto, passadas quase duas décadas, constata-se que, enquanto anualmente a população aumentou em torno de 1.06%, a frota de veículos cresceu 5%, fazendo com que a taxa de motorização de Porto Alegre seja, hoje, a terceira do país (2,23 habitantes/veículo). Tais instrumentos, desta forma, tornaram-se insuficientes diante do quadro crítico para o qual encaminha-se a mobilidade urbana, em especial à crescente dificuldade em efetuar-se deslocamentos na zona consolidada da cidade e o conseqüente decréscimo da qualidade ambiental.
Diante deste quadro, o 2º PDDUA propõe, como paradigma indispensável à requalificação ambiental, a reconquista do espaço público através de políticas de estímulo à implantação de garagens e estacionamentos. Em áreas críticas, a serem ratificadas pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), está proposta a transferência total do potencial construtivo do lote sobre o qual pretende-se edificar prédio de garagem comercial. Desta maneira espera-se concorrer para a desobstrução das vias públicas, em favor do tráfego veicular em especial do transporte coletivo, do ciclista e do pedestre.
Por outro lado, na Área Central a proposta estabelece a proibição de acesso à garagem em determinadas vias; um setor de construção facultativa e, para o restante da área, onde predominam setores residenciais consolidados com déficit de garagem por economia, determina a adoção dos dispositivos gerais da cidade. Isto em detrimento das atuais regras de vedação genérica à construção de garagens comerciais, com exceção de determinadas vias, de irrestrita proibição em outras vias e, de necessidade de estudo caso a caso para a construção em prédios de habitação multifamiliar, comerciais e de serviços.
Estas medidas, associadas às demais diretrizes e programas da Estratégia de Mobilidade Urbana do 2º PDDUA - em especial a proposta de implantação de estacionamentos subterrâneos - são compatíveis com um dos pressupostos da atual reformulação do Plano Diretor, qual seja, "reconquistar as vias públicas de seu uso como estacionamento privado", especialmente nas áreas críticas sob o ponto de vista da mobilidade.
O sistema de transporte de passageiros de Porto Alegre é composto, atualmente, por 262 linhas operadas comercialmente por 13 empresas privadas e uma empresa pública (CARRIS). O sistema transporta - utilizando-se de uma frota de 1.473 veículos - uma média de 1,3 milhão de passageiros/dia, o que corresponde a cerca de 25 mil viagens. Complementa o sistema um serviço seletivo de táxi-lotação, que é operado por veículos de 21 lugares sentados, com tarifas diferenciadas e com uma frota de 403 veículos. Através dele é transportada uma média de 94 mil passageiros/dia, através de 41 linhas.
Os deslocamentos no sentido transversal ao desenho radial das vias estruturais são realizados por seis linhas que interligam bairros e transportam cerca de 10% dos usuários do sistema de transporte coletivo. A tarifa é única e o equilíbrio econômico financeiro entre as diferentes linhas do sistema é realizado pela Câmara de Compensação Tarifária, gerenciada pelos operadores dos serviços sob a fiscalização da Secretaria Municipal dos Transportes (SMT).
O atual Modelo Operacional converge cerca de 90% das viagens à Área Central da cidade percorrendo, predominantemente, a Malha Viária Básica Radiocêntrica. Estas radiais estão dotadas de cinco corredores exclusivos para transporte coletivo, num total de 27,5 km de vias segregadas. Atualmente, após 18 anos de vigência do 1° PDDU, observa-se a necessidade de revisão deste modelo, pois com a progressiva descentralização, surgiu a dispersão dos desejos de deslocamentos e um correspondente decréscimo nas taxas de demanda ao Centro da cidade. Em contrapartida houve um acréscimo nas taxas de demanda interbairros.
A oferta de viagens no Modelo Radial atualmente é da ordem de 90% em relação ao total de viagens urbanas, para uma demanda de 70%. Há, portanto, uma oferta excedente em aproximadamente 20%. Já no Modelo Transversal há um déficit de 20%, pois a oferta é de 10% para uma demanda de 30%. Esta diferença, na realidade, demonstra a inadequação do modelo operacional vigente, visto que é "compensada" com a realização de transbordos na Área Central, penalizando, com dupla tarifação, aproximadamente 26% dos usuários.
As diretrizes para a reformulação do Sistema de Transporte Público apontam para a necessidade de ampliar o Modelo Operacional Transversal e de integrar física e tarifariamente, através da implantação de terminais de integração, de retorno e pontos de conexão, que permitirão livres trocas entre os diversos modais e serviços de transporte de passageiros. Os referidos terminais deverão ser implantados nas cabeceiras dos atuais corredores exclusivos de transporte e supridos por linhas alimentadoras com origem nos bairros distantes. A partir destes pontos, ocorrerão as troncalizações para os diferentes desejos de deslocamentos, através de linhas difusoras às zonas de atração preexistentes ou previstas no novo Modelo Espacial do Plano Diretor, e à Área Central da cidade.
Os pontos de conexão, que deverão ser qualificados para propiciarem trocas entre os serviços em condições de conforto e segurança, por localizarem-se nas tangências dos modelos operacionais Radial e Transversal, também possibilitarão a dispersão da demanda com origem nos eixos lindeiros aos corredores para outros eixos alternativos.
Não por outro motivo, a atual reformulação do 1º PDDU destaca a Estratégia de Mobilidade Urbana e esta, por sua vez, prioriza a elaboração do Plano Geral de Transportes, por entender que este Plano Setorial, além de ser essencial à sustentabilidade do novo Modelo de Desenvolvimento Urbano e Ambiental ora proposto, institucionará o correspondente Modelo Operacional do Sistema de Transporte Coletivo.
Ainda quanto ao Modelo Operacional permanecem, em especial, as diretrizes do PLANO TRANSCOL/76 que dizem respeito à troncalização, com a manutenção e ampliação da atual infra-estrutura de corredores exclusivos de transporte coletivo. Entretanto, o Modelo requer novas diretrizes com vistas à dispersão da oferta para as linhas de desejo de deslocamentos alternativos ao Modelo Radial, através da implantação de novas linhas transversais, perimetrais e seccionais, que desta forma constituirão uma rede integrada, tanto fisicamente, quanto tarifariamente.
Entre os principais objetivos da novo Modelo Operacional do Sistema de Transporte Coletivo, que serão consolidados por ocasião da elaboração do Plano Geral de Transportes, destacam-se:
- qualificação da capacidade operacional do Sistema e, por conseguinte, dos serviços prestados à população;
- otimização dos custos do Sistema com repercussão direta no valor da tarifa, ao reduzir a oferta de viagens ociosas às zonas de atração específicas e seus respectivos tempos;
- redução dos impactos ambientais ao adotar-se o uso de tecnologias adequadas;
- melhorias no desempenho do tráfego veicular geral, ao priorizar o tráfego do transporte coletivo através de corredores exclusivos, da implantação de rede semafórica inteligente, entre outras medidas;
- segurança dos pedestres, dos motoristas e passageiros do Sistema ao classificar, hierarquizar , estratificar as vias e qualificar seus projetos e tecnologias operativas.
Grande parte destes conceitos e diretrizes já estão sendo aplicados em ações e projetos, ora em curso na Secretaria Municipal dos Transportes como, por exemplo, a reformulação do Corredor Norte/Nordeste; o Monitoramento Automático (Projeto SOMA) e a Revisão da Gestão e Recodificação do Sistema de Transporte Público de Passageiros.
*ENGENHEIRO, COOODENADOR DO GRUPO DE MOBILIDADE URBANA DO 2º PDDUA
**ARQUITETA,/SUPERVISÃO DE TRANSPORTES/ SECRETARIA MUNICIPAL DOS TRANSPORTES