SISTEMA MUNICIPAL DE GESTÃO DO PLANEJAMENTO

* Eliane D’Arrigo Green

O novo quadro jurídico-institucional criado no País, a partir de 1988, com a promulgação da nova Constituição, trouxe para o debate a questão da Reforma Urbana. A partir de então, questionam-se formas e conteúdos do planejamento urbano, em especial do planejamento normativo, o qual não é suficiente para afirmar a eficácia do planejamento estratégico.

Na avaliação da arquiteta paulista Raquel Rolnik, a revisão de métodos e instrumentos de intervenção do planejamento urbano é hoje uma questão estratégica porque se dirige também às maiorias urbanas ilegais, que tendem a crescer no novo contexto do capitalismo mundial integrado. Estas mudanças requerem uma redefinição do papel do Estado e de maneira especial do poder local, capacitando-se para "estabelecer espaço de interlocução com a sociedade no processo de elaboração de políticas".

O pensador francês, Henri Léfèbre, em moda nos anos 60, dizia que a reforma urbana questiona as estruturas da sociedade existente, das relações imediatas e cotidianas. Esta afirmação, que hoje nos parece óbvia, remete para o centro do debate questões como a função social da cidade, da propriedade, da justa distribuição de bens e serviços urbanos, da gestão democrática e da questão ambiental. Na nova lógica do pensar a cidade o meio urbano deve ser considerado, não só como suporte das atividades humanas mas, também, e principalmente, como base das instâncias sociais.

Ao tratar do tema participação/descentralização do Estado e do novo papel do poder local na sua relação com os cidadãos, o economista e sociólogo paulista, Pedro Jacobi, aponta que a participação/descentralização tem objetivos conceitualmente diversos e complexos mas são, no entanto, políticas complementares de um mesmo processo. Ambas têm em seu cerne o desenvolvimento de políticas democráticas do governo, tendo como eixos principais a divisão territorial, a organização político-administrativa e a participação popular.

A democratização do Estado assume papel importante quando se busca imprimir um novo comportamento na gestão da cidade. Nesse sentido, a criação de canais adequados de acesso e participação da população, capazes de incorporar os movimentos sociais e até mesmo aqueles ainda não organizados, é indispensável para a concretização e alteração do processo de ordenamento urbano. O planejamento urbano do Município deve ser capaz de pensar a cidade estrategicamente, garantindo um processo permanente de discussão e análise das questões urbanas e suas contradições inerentes, de forma a permitir o envolvimento de seus cidadãos. A experiência de participação da população no processo de discussão do orçamento, implantada, nos últimos oito anos pela prefeitura municipal de Porto Alegre, consolidou-se como um canal efetivo de participação do movimento comunitário, passando a atender, assim, as reais e prioritárias demandas sociais definidas no âmbito das regiões.

Por isto, a descentralização, ao lado da participação da população, pode ser entendida como um passo importante para a gestão de um novo modelo de cidade e de decisão das políticas públicas, explicitadas na concepção municipal apresentada neste documento.

O tema Sistema Municipal de Planejamento não é um assunto novo junto à Administração Municipal, a medida em que foi criado pelo 1° PDDU, em 1979, e contemplou a maioria das questões que serviram de base para a sua reformulação. Esta proposta foi concebida como base de sustentação do Plano Diretor vigente. Porém, decorridos 16 anos de existência, mostrou-se inadequada à realidade, bem como às demandas e necessidades da cidade.

Influíram no descrédito do Sistema proposto, na época, em grande parte a sua não regulamentação; a não implantação de suas diretrizes e a centralização exercida pela atividade de planejamento - reflexo do momento político da época. Destacam-se, ainda, a manutenção do status quo, que não evoluiu com as alterações de estrutura que a Secretaria do Planejamento Municipal veio sofrendo, ao longo dos anos, bem como a democratização que ocorreu na sociedade civil, com o surgimento de outras formas de organização, mais vinculada à realidade da população.

Face a estes fatores, fez-se necessária a reformulação e atualização do Sistema Municipal de Planejamento, de forma a refletir uma nova postura de gerenciamento do planejamento mais estratégico, participativo e descentralizado. O processo de gestão, ora proposto, tem fundamental importância na consolidação do 2° PDDUA, a medida em que significa uma mudança na forma de fazer o planejamento e de implementar suas propostas, projetos e ações.

A nova proposta consolida-se através da estratégia denominada "Sistema Municipal de Gestão do Planejamento", que será implementada através de quatro programas básicos – Gerenciamento de Políticas Urbanas; Regionalização e Participação; Sistema de Informações; Comunicação e Educação Ambiental – e terá como princípios básicos:

- a DEMOCRATIZAÇÃO, através da participação da sociedade em seus vários níveis;

- a REGIONALIZAÇÃO como base de representação política e da descentralização do poder decisório;

- o ACESSO À INFORMAÇÃO através de um Sistema de Informações que alimente o Sistema Municipal de Gestão do Planejamento, com dados de natureza diversa que atendam as demandas do planejamento e da comunidade.

O principal papel do Sistema será o de articular os vários interesses da sociedade e da administração pública, promovendo o desenvolvimento e organização do Município, gerenciando políticas, instrumentos e estratégias, integrando ações, em nível governamental e extra-governamental, como também, na criação de canais de participação da cidade em suas várias instâncias.

Terá, também, por objetivo, operacionalizar mecanismos e instrumentos que impulsionem o desenvolvimento urbano, fomentando e antecipando ações, bem como promovendo iniciativas compartilhadas que intensifiquem as relações do Estado com a iniciativa privada direcionando para uma melhor qualidade de vida. Buscará, ainda, estabelecer fluxos permanentes de informação entre as unidades componentes do sistema, a fim de facilitar o processo de decisão.

Para tanto, três instâncias de atuação foram definidas: a elaboração de estratégias e políticas e atualização do Plano; o gerenciamento, através da formulação e aprovação dos programas, projetos e instrumentos visando sua implementação; e o monitoramento e controle dos instrumentos de aplicação dos programas e projetos aprovados, bem como do próprio Plano Diretor. A Secretaria de Planejamento Municipal será a responsável pelo gerenciamento deste Sistema e terá, por competência, em conjunto com a sociedade, estabelecer diretrizes para o desenvolvimento urbano, planejar e ordenar o uso e ocupação do solo; articular políticas e ações com os demais órgãos e, também, operacionalizar a implementação dos programas e projetos através dos instrumentos de gestão e intervenção cabíveis.

A Lei Complementar 43/79 que instituiu o 1º PDDU, no que se refere à participação da comunidade local, induziu à criação de associações de moradores por Unidades Territoriais de Planejamento (UTPs), reconhecidas pelo Executivo Municipal, e delimitou as questões sobre as quais a comunidade deveria ser consultada. Esta proposta de participação não mostrou-se adequada à realidade do movimento comunitário – que já tinha formas consagradas de organização espacial – e feriu dois princípios básicos da organização popular: o da autonomia e o da independência. Além disto, as UTPs, ao longo destes 16 anos de implantação do 1º PDDU, não tornaram-se referência espacial e de relação social da comunidade que as integram, por isso a necessidade de reformulação deste tema.

Para garantir a participação da comunidade estabeleceu-se, no 2º PDDUA, três níveis de atuação:

1º) NÍVEL GLOBAL: através do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA).

O Plano Diretor anterior pressupunha a existência de um Conselho, que vem exercendo suas atividades, cumprindo parcialmente suas prerrogativas, assumindo um papel burocrático e restringindo-se a opinar em questões demandadas por processos administrativos pontuais e geralmente de interesse de grupos isolados e corporativos, não envolvendo-se com questões relativas às políticas de desenvolvimento urbano. A falta de renovação de seus componentes e a inexistência de políticas públicas em relação aos Conselhos Municipais, condicionaram-no ao exercício puramente burocrático das atividades.

Com a reformulação proposta, o novo Conselho deverá ser composto por 25 membros assim representados: oito da esfera governamental (Federal, Estadual e Municipal), oito de esfera não governamental e oito vinculados às regiões de gestão e planejamento Terá como finalidade formular políticas, planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, discutindo a cidade e promovendo a articulação das várias políticas e ações setoriais.

2º) NÍVEL REGIONAL: através da elaboração dos Planos de Ação Regional dentro da própria região.

Para tanto, entende-se a regionalização como a base para a implementação da nova política de planejamento da cidade, pois permite à população a apropriação de novos conteúdos e informações, ampliando o conceito de cidadania. Assim, dividiu-se o mapa da cidade em oito Regiões de Gestão e Planejamento, considerando como referência a experiência do Orçamento Participativo – importante canal de interlocução entre a Administração Pública e a população. Compatibilizou-se, ainda, seus limites com a delimitação dos bairros e com as Unidades de Estruturação Urbana (UEUs) do 2° PDDUA.

Introduz-se, desta forma, o "Plano de Ação Regional" como elemento estratégico para a gestão democrática e o envolvimento da população com o tema Plano Diretor. Este deverá ser produto da construção coletiva com ações visando o desenvolvimento regional, com base nas diretrizes globais definidas pelo 2° PDDUA. O Plano de Ação Regional será, também, um instrumento efetivo de qualificação e complementação do Orçamento Participativo.

3º) NÍVEL LOCAL: a participação se dará através das Unidades de Estruturação Urbana (UEUs), consideradas como a unidade mínima de revisão do Plano Diretor. Neste caso, a população e suas entidades representativas poderão propor a revisão dos usos, alturas e índices do Solo Criado, bem como a regulamentação posterior a sua aprovação. Este espaço de participação estará vinculado às Regiões de Gestão de Planejamento, sendo que as propostas nele surgidas serão objeto de discussão e deliberação nas mesmas e encaminhadas, através do representante da Região, ao Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental, para decisão e providências cabíveis. Também os projetos especiais de maior porte serão objeto de consulta às instâncias do Planejamento Regional.

Finalizando, o Sistema Municipal de Gestão do Planejamento, apresentado de forma sintética neste documento, tem como idéia fundamental a democratização deste processo, estruturado em novas bases e incorporando inovações quanto ao conceito reformulado da atividade de planejamento. A nova forma de planejar não significa assegurar ao conhecimento técnico total autoridade para estabelecer diretrizes e propostas para a cidade, sem considerar a importância da troca de conhecimento com a realidade e a relação com a sociedade civil. É esta troca de informações e experiências que vai permitir a construção de uma cidade mais real e, ao mesmo tempo, garantir o exercício da cidadania através da apropriação do espaço público.

*ASSISTENTE SOCIAL/ COORDENADORA DO GRUPO DE SISTEMA DE GESTÃO DO PLANEJAMENTO DO 2º PDDUA.

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